domingo, 20 de dezembro de 2009

2. Crónica de uma reabilitação anunciada.[1]

A moradia pertence ao Bairro da Encosta de Ajuda, planeado e desenhado por Faria da Costa no espírito da cidade-jardim, emoldurado a Norte pela zona verde de Monsanto e a Sul pelo rio Tejo.

1. Casa da Rua Alcolena, Fotografia satélite, vista aérea, Google Maps.

Desde a sua edificação a Casa passou por vários proprietários. A construção do edifício deve-se ao arquitecto António Varela, depois da aquisição por Maria da Piedade Figueiredo Mota Gomes do lote de terreno nº149, com uma área total de 1122 metros quadrados, à Câmara Municipal de Lisboa em Agosto de 1951, parte por compra directa e parte por arrematação em hasta pública. Concluídas as obras, em 10 de Fevereiro de 1954, o imóvel manteve-se na posse da primeira proprietária, passando em 1981, após a sua morte, para o seu filho José Manuel Mota Gomes Fróis Ferrão. Depois do falecimento deste, a moradia passou para a viúva e para as suas quatro filhas, que a venderam em 2002 à imobiliária Espácimo. Três anos mais tarde, a nova proprietária viu a residência do Restelo ser objecto de sucessivas penhoras, acabando por vendê-la em Janeiro de 2007, a uma outra imobiliária: a Principado do Restelo, com sede em Cascais. No dia 5 de Janeiro desse ano, verificou-se uma nova transferência de propriedade, desta vez para a Soindol, Sociedade de Investimentos Dominiais Lda., que comprou o imóvel por um milhão e 750 mil euros. Três semanas depois, no dia 29 de Janeiro de 2009, os novos proprietários entregaram na Câmara Municipal de Lisboa o pedido de licenciamento da demolição integral da casa e da construção de uma nova moradia familiar de grandes dimensões, com uma área total de 1534 metros quadrados. Sucessivamente, no âmbito das condições negociadas com os anteriores proprietários, parte dos azulejos foram removidos. Depois das denúncias à Comunicação Social feitas pelos herdeiros de José de Almada Negreiros, nomeadamente seu filho o Arquitecto José de Almada Negreiros e as netas Rita e Catarina, por Helena Roseta, Vereadora do Movimento “Cidadãos por Lisboa”, e por João Rodeia, presidente da Ordem dos Arquitectos,[2] a Câmara de Lisboa embargou, em 23.02.2009, a retirada dos painéis de azulejos da autoria de Almada Negreiros. Em particular, Helena Roseta defendeu a integridade da Casa: “a remoção é uma destruição do património. Trata-se de um imóvel (no seu todo, incluindo os painéis de azulejos) representativo da produção arquitectónica moderna portuguesa dos anos 50 na cidade de Lisboa, que interessa salvaguardar enquanto testemunho da qualidade da conjugação e integração de artes e ainda como documento qualificado de uma fase do desenvolvimento da cidade de Lisboa e da diversidade do seu tipo de ocupação arquitectónica.”[3] Confrontado com o início da remoção dos azulejos, antes de qualquer decisão sobre os projectos apresentados, o vereador do Urbanismo, o Arquitecto Manuel Salgado, determinou de imediato o embargo dos trabalhos. A moradia está inserida na Zona de Protecção Especial de vários imóveis classificados (Capela de São Jerónimo, Capela de Santo Cristo e dois palacetes da Rua de Pedrouços), razão pela qual todas as obras ali efectuadas têm de ser previamente aprovadas pelo Igespar (Instituto de Gestão do Património Arquitectónico e Arqueológico). Os painéis de Almada estão classificados no inventário municipal do património com a designação de património integrado, ou seja, toda a construção está protegida e o conjunto de azulejos é inamovível, afirma o director daquele Instituto, Elísio Summavielle. A Casa está citada também num levantamento da arquitectura do século XX, realizado pela Ordem dos Arquitectos e está incluída na lista do Docomomo, organização que subsidia a documentação e conservação das manifestações do movimento moderno em arquitectura. Segundo a vice-presidente da Ordem dos Arquitectos e do Docomomo Ibérico, Ana Tostões, os azulejos desta moradia são “especiais”, uma vez que se inserem num período criativo de Almada Negreiros que antecipa o trabalho gravado na pedra no átrio da Gulbenkian, o painel Começar, 1968-1969. O processo de classificação como bem cultural de interesse municipal já foi iniciado pela Vereadora do Movimento “Cidadãos por Lisboa”, Helena Roseta, com uma proposta apresentada em 18 de Fevereiro de 2009, que inclui também a criação de um projecto-piloto de casa-museu-atelier de artes plásticas e dum catálogo-roteiro da Casa. Em resposta a este apelo surge o presente estudo, na esperança de ajudar a restituir à Casa da Rua de Alcolena o seu justo lugar no panorama histórico-artístico nacional e internacional.

Em Julho de 2009 a polícia esteve a vigiar a casa, 24 horas por dia, para evitar episódios de remoção ilegal dos azulejos e eventual vandalização do interior da casa, dado o historial recente. Contudo, em meados de Julho 2009, a Moradia foi arrombada outra vez e a polícia está a verificar danos e eventuais despojamentos.[4]

No dia 9 de Agosto foi aprovada pela Câmara Municipal de Lisboa uma proposta do ateliê Massapina, subscrita pelo Vereador Manuel Salgado, para a alteração e ampliação do prédio, que não só anula a continuidade do simbólico jardim, mas apaga o alçado sudeste da Casa, cancelando a sua perspectiva geométrica, o seu valor cúbico, a sua metafórica orientação.

No curso da nossa atribulada investigação, chegou-nos a feliz notícia que em 2 de Dezembro de 2009 a Casa foi classificada como Imóvel de Interesse Municipal.

Gostaríamos muito de assistir ao renascimento da Casa como Centro de Estudos Permanente do Modernismo Português e como casa-museu-atelier de artes plásticas. Dada a sua riqueza inter-artística, a sua colocação no panorama histórico e geográfico de Lisboa, a sua unicidade e unidade, esta Casa extra-ordinária corresponderia perfeitamente à vocação de acolher um Centro de Estudo Permanente de um dos períodos artísticos mais interessantes e com projecção internacional da História da Arte Portuguesa.

[1] A história da casa foi relatada por José António Cerejo e Maria José Oliveira a Inês Boaventura num artigo publicado no Público, em 21.02.2009 e em 25.02.2009, e por Luísa Botinas no Diário de Notícias de 20.02.2009. Para uma bibliografia sobre a Casa veja-se Ana Tostões, Os verdes anos da arquitectura portuguesa nos anos 50, Faculdade de Arquitectura da Universidade do Porto, Porto, 1997, p. 60; Fátima Cordeiro Ferreira coord.; José Silva Carvalho; Teresa Nunes da Ponte; Filipe Jorge Silva, Guia Urbanístico e Arquitectónico de Lisboa, Associação dos Arquitectos Portugueses, 1987; Helena Roseta, João Afonso, Joana Morais, Manuel Távora, IAPXX-Inquérito à Arquitectura do Século XX em Portugal, Ordem dos Arquitectos, 2003; Inventário Docomomo Ibérico da Habitação, 2008. Vide também: Obra 23293, Processos 1951, 22260/1955, 15454/1981, Arquivo Câmara Municipal de Lisboa. A Ordem dos Arquitectos promoveu uma petição para salvar a moradia que atingiu até hoje cerca de 5000 assinaturas: http://www.petitiononline.com/Alcolena. Cfr. também a proposta do movimento Cidadãos por Lisboa: http://www.cidadaosporlisboa.org/?no=50400001519,053, apresentada em 18 de Fevereiro de 2009.
[2] Diário de Notícias, Lisboa, 20 de Fevereiro de 2009, p. 28.
[3] Diário de Noticias, Lisboa, 3 de Março de 2009.
[4] Público, 21 de Julho de 2009.

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